segunda-feira, 11 de outubro de 2021

        Pois que o arbusto, da pequena muda que cresceu com vigor, folhas verdinhas e carregado de frutas, não me passa apenas a imagem da beleza por si só, do momento. Por que essa preocupação com o futuro,inata, que tanto nos desassossega? Esta foi depois que eu vi, em um recente passeio por um bosque encravado na selva de pedra, que a amoreira é, mesmo, uma árvore; muito mais que um arbusto,afinal. Não foi descoberta, claro; eu já sabia, que são muitas as amoreiras que vi nessa vida, desde a infância, nas férias no interior. Mas foi nesse passeio, o primeiro desde o início da pandemia,que isto ficou a martelar na minha cabeça.

        Das amoras maduras já fiz geleias, em duas tentativas.Em ambas errei o ponto, que como doceira, sou uma ótima enfermeira e até boa escritora.Na primeira tentativa o ponto errado resultou em uma pedra: bala de amora!Na segunda tentativa, ponto errado de novo, ficou muito fluida, mas da pra colocar sobre as torradas que me acompanham o chá da tarde e me deliciar, mais pelo prazer da colheita do que propriamente pelo sabor, que também é bom,sim!

        No entanto, segue-me o incômodo de pensar que esse belo arbusto, uma árvore em potencial, eu posso estar aprisionando no grande vaso de concreto. Grande é, mas até quanto? Incomoda-me, é verdade, promover qualquer tipo de limitação ao crescimento de o que quer que seja vivo.

        Tudo isso deve estar vindo à mente como idéias simbólicas, que se referem ao meu estado de espírito atual.É que depois de passar algum tempo com os pés no chão, o quintal ficou pequeno e o desejo de mais espaço interno e a vista do céu surgiram,urgiram. Voos dos Cambacicas e do grande Bem-Te-Vi, visitantes assíduos à amoreira, parecem tão seguros!E eu aqui pensando sobre voos e riscos, os meus riscos, eu tão só nas decisões há mais de uma década...

        Enquanto decido sobre as decisões menores atreladas às maiores, tenho uma das pequenas que já está certa:não farei mais geleias, que as visitas dos passarinhos tem sido cada vez mais frequentes,tanto mais quanto vão brotando as amoras. Como uma despedida de mais uma fase, regalam-se e matam a fome, enquanto me presenteiam com o alvoroço - uma amostra da vida lá fora - com seus vôos seguros, que me inspiram.

        Entre as decisões menores, não menos importantes, está o destino dos grandes e pequenos vasos com as plantas. Imaginando, já, a amoreira perto da janela da sala, os galhos para o céu, para a nova vista,para as novas visitas, até que árvore se torne.