sexta-feira, 6 de junho de 2025

Acidente

Não pensava

que seria tão grave.

Ter a morte, assim,

batendo na trave!

Não mandava à fava

e se deixava

ficar, no fim...

Já vinham de anos, 

insônia e tédio.

Para a rotina,

passando panos.

Tomava remédio

mas se entregava à sina.

Disfarçava...

Ninguém notava?

Com a tal mudança,

menos sorrisos e andança.

Mais controle, menos sol.

Menos paz, mais cortisol.

É mau estar

aonde e com quem

não se quer:

um dia

cai a casa, 

angústia vem,

extravasa

em um mal-estar

qualquer...





domingo, 1 de junho de 2025

Viagens

 

            

            Estava tão, tão perto do mar que, mais que isso, só se tomasse um barquinho ou – por que não? – um grande navio e fosse além, para ver como seriam, afinal, todas essas coisas que lia - como se visse – nos livros.

            Não, não sabia se haveria viagens, sempre desejadas, ou se apenas ficariam no plano da imaginação, assim, apenas folheadas. Talvez não tivesse desejado com desejo suficiente pois, quem quer mesmo, vai, deixa tudo para trás.

            Sobre desejos, sabia alguma coisa, sim. De o ser (desejada), até mesmo por aqueles tempos, de mais da metade da vida. Com o verbo conjugado na primeira pessoa tinha algumas dúvidas. Singular. Nunca sabia se seria possível, a impossibilidade diretamente proporcional – parecia – à intensidade do desejar. Mas é assim mesmo, diriam, para todos, o mover da própria vida, de fugidio destino.

            No entanto, vislumbrava descobertas que já lhe faziam companhia, estratégias de sobrevivência para dali - mais de meia vida – adiante. Elegância, mais que beleza; bagagem cultural mais que entretenimento; irreverência, mais que costume. Na praia, caminhando, as associava aos elementos do lugar. Pela areia desmanchavam-se as convicções da juventude, quando a beleza era toda entendida no contexto da pouca idade, sem manchas e cicatrizes. Das montanhas que compunham a paisagem, pensava roubar a força, o tônus muscular, que insistia em favorecê-la até então: e desfilava altiva, olhada, quase nua, viva! O sol, recebia para lhe dar cores de alegria, como fosse a luz de todo o conhecimento já lido, energia carregada, uma bagagem que – incrível! – ficava mais leve a cada passo, para continuar iluminando até o ocaso do dia e, então, encontrar-se com as histórias lidas todas as noites, depois de procurar da janela a lua.

            No mar, contemplando ou sentindo na pele, encontrava a sintonia com a irreverência. Ondas que a refrescavam, derrubavam, despenteavam, acariciavam, deixavam molhada, levavam a desobedecer ao padrão que é o dos que não mergulham por temerem as incertezas da imensidão. Ela, não.

            Estava tão, tão perto do mar... e emergia, sempre, de seus naufrágios: assim, nua, em seu quarto com a vista privilegiada, escolhia suas roupas de viver, abria seus olhos em grandes óculos de enxergar a essência de tudo que vive, ajeitava seus cabelos naturais cortados de modo a terem o movimento propício às danças loucas de suas músicas preferidas.